O trabalho (psico)terapêutico

Por Patrícia Cristina Borges Maciel

Antes de mais nada, é imprescindível dizer que em um trabalho terapêutico não há mágica. Trata-se de uma atividade conjunta entre terapeuta e paciente, quase sempre árdua.

Numa adaptação do conceito da psicanalista Karen Horney (1991), terapia é um empreendimento cooperativo que habilita os pacientes a se liberarem de suas estruturas neuróticas e a se mobilizarem em direção à autorrealização. A função principal do terapeuta, segundo a psicanalista, é ajudar os pacientes a dissolverem bloqueios, crenças e forças que os impedem o crescimento saudável.

Kay Jamison, considerada uma das maiores autoridades em âmbito mundial em transtorno maníaco-depressivo (ou transtorno bipolar), revelou sua trajetória de luta com essa doença em seu livro intitulado Uma Mente Inquieta (2009).

Jamison descreve de forma tocante o que ela mesma denominou de “tarefa” e “dom” da psicoterapia:

“A esta altura da minha existência, não posso imaginar levar uma vida normal sem tomar lítio e sem ter tido os benefícios da psicoterapia. O lítio evita minhas euforias sedutoras, porém desastrosas, ameniza minhas depressões, elimina as teias de aranha do meu pensamento desordenado, faz com que eu reduza a velocidade, me ajuda a avançar sem tropeços, impede a destruição da minha carreira e dos meus relacionamentos, permite que eu fique fora de um hospital, viva, e possibilita a psicoterapia. Mas, de um modo inefável, é a psicoterapia que cura. Ela confere algum sentido à confusão, refreia os pensamentos e sentimentos apavorantes, devolve algum controle, esperança e possibilidade de se aprender com tudo isso. Os comprimidos não podem e não conseguem facilitar nossa volta à realidade. Eles só nos trazem de volta de cabeça adernando e mais rápido do que às vezes podemos suportar. A psicoterapia é um santuário; um campo de batalha; um lugar em que estive psicótica, neurótica, enlevada, confusa e com uma desesperança inacreditável. Mas sempre foi ali que acreditei — ou aprendi a acreditar — que um dia talvez pudesse ser capaz de enfrentar tudo isso.

Nenhum comprimido tem condições de me ajudar com o problema de não querer tomar comprimidos. Da mesma forma, nenhuma quantidade de sessões de psicoterapia pode, isoladamente, evitar minhas manias e depressões. Eu preciso dos dois. É estranho dever a vida a comprimidos, a nossas próprias idiossincrasias e teimosias e a esse relacionamento singular, estranho e essencialmente profundo chamado psicoterapia”.

O relato acima mostra a essência e a essencialidade da terapia, mas também deixa claro que é fundamental que o terapeuta tenha sensibilidade e conhecimento suficientes para avaliar se seu paciente precisa de acompanhamento médico, particularmente psiquiátrico, durante o processo terapêutico.

O profissional em questão não é o responsável pelo resultado do processo terapêutico, mas protege, acolhe e estimula o desenvolvimento do paciente, possibilitando-lhe que enfrente o mundo de forma positiva. Ele coloca a serviço desse processo seu conhecimento, sua experiência e sua empatia e acompanha o paciente (adulto) pela estrada que vai levá-lo a um lugar muito importante: o da autorresponsabilidade — no caso de crianças e adolescentes a autorresponsabilidade é trabalhada junto aos pais ou figuras parentais —, em que assume melhor posicionamento diante do sofrimento e dos problemas existenciais a partir de novos olhares.

No campo das terapias transpessoais, podemos dizer que o terapeuta deve despertar no paciente a vontade e o ato de evoluir. Para isso, é necessário promover também o autoconhecimento, a fim de que o paciente contemple seus conceitos errôneos, suas incompetentes e desatualizadas estratégias de defesa, as origens dos seus sofrimentos e seus conteúdos censurados e repelidos. Nesse caminho de autodescoberta, também é importante que o paciente reconheça suas qualidades e todo o seu potencial que aguarda para ser realizado. Assim, valores positivos, que são inerentes a todo ser humano, vêm à tona, tornando o paciente uma pessoa melhor para si e para a sociedade em geral. Em outras palavras, no enfoque transpessoal, o terapeuta busca identificar no paciente seus aspectos positivos, a fim de dar-lhes maior força e alcance; o saudável no paciente é estimulado, ampliado e integrado.

Cada encontro terapêutico é um momento singular, que possui uma energia própria e que supõe, por isso mesmo, atitudes diferentes. No entanto, certos atributos precisam estar presentes em todo atendimento: o terapeuta tem que estar totalmente presente para o paciente que está ali diante dele; exercer a escuta ativa, procurar se eximir de julgamentos, exercer respeito pelo paciente e por sua história, ser humilde e empático e ter confiança no trabalho que realiza e no saber intrínseco do paciente.

Falar sobre o que é terapia e sobre a postura do terapeuta pode render muitas e muitas páginas escritas. Destacamos, no entanto, uma postura fundamental: a da compaixão. Uma mensagem de autoria desconhecida sobre compaixão que circula na Internet traduz bem esse valor quando aplicado no setting terapêutico: “Compaixão não é uma relação entre o curador e os feridos. É uma relação entre iguais. Somente quando conhecemos bem a nossa própria escuridão podemos estar presentes com a escuridão dos outros”. Sim, é com a compaixão que o terapeuta se posiciona diante do paciente e lhe diz, mesmo sem palavras, que, antes de ser um especialista, ele é um ser humano igual ao paciente. Essa mensagem também diz da importância de o próprio terapeuta fazer terapia, bem como um profundo trabalho de autoconhecimento.

HORNEY, Karen. Neurosis and Human Growth: The struggle towords self-realization. New York: W.W. Norton & Company, 40th revised ed., 1991.

JAMISON, Kay R. Uma Mente Inquieta: memórias da loucura e instabilidade de humor. São Paulo: Martins Fontes, 2009.