Por Jossânia Veloso
Um texto do cronista Artur da Távola nos lembra que “amigo é quem, conhecido ou não, vivo ou morto, nos faz pensar, agir ou se comportar no melhor de nós mesmos. É quem potencializa esse material. Não digo que laboremos sempre no pior de nós mesmos (algumas pessoas, sim) mas nem sempre podemos ser integrais para operar no melhor de nós. Há que contar com algum elemento propiciador, uma afinidade, empatia, amor, um pouco de tudo isso. E sempre que agimos no melhor de nós mesmos, melhoramos, é a mais terapêutica das atitudes, a mais catártica e a mais recompensadora. Esta é a verdadeira amizade, a que transcende os encontros, os conhecimentos, o passado em comum, aventuras da juventude vividas junto. Um escritor ou compositor morto há mais de cem anos pode ser o seu maior amigo”.
E o (s) nosso (s) inimigo (s) que faz em nós? O nosso inimigo é quem nos machuca. Távola diz que “inimigos são duas pessoas pertinho uma da outra. Só que de costas. Há duas situações inimigas dentro do amor. Pertinho e uma de costas para outra (…). Os inimigos são duas pessoas pertinho uma da outra, mas de costas, porque se se virarem encontrar-se-ão. E é isso o que temem. São mais unidos, talvez, que amigos, um de frente para o outro, mas a metros ou quilômetros de distância, e só por isso se entendem”.
Talvez seja por isso que o nosso pior inimigo seja quem mais está perto de nós: nós mesmos. Porém, nós de costas a nós mesmos. Nós sem entendermos o que realmente somos e o que gostaríamos de ser.
A lei do espelho, trabalhada em algumas terapias e vertentes, nos lembra que “tudo o que me incomoda, irrita ou quero mudar dentro do outro, está dentro de mim”. Do mesmo modo, “tudo o que o outro me critica, ou julga, se me incomoda, está reprimido em mim, e é necessário trabalhar nele”. Por sua vez, “tudo o que eu gosto no outro, o que eu amo no outro, também está dentro de mim”. E, por fim, tudo o que o outro me critica, julga ou quer mudar em mim sem que me afete pertence a ele”. Essa lei, mas uma vez, revela, o quanto nosso inimigo, o maior deles, somos nós mesmos.
Muitas vezes, refletimos fora o que está dentro. Alimentamos a inveja em torno de nós, o desamor, a discórdia, projetando nossos medos, anseios, inseguranças. E tudo o que devíamos fazer é parar e olhar para dentro da gente, escutar, acolher. Porém, é tão difícil separar, em nós, o joio do trigo. Por isso, é preciso deixar ouvir o curador em nós, ou mesmo aquele projetado fora de nós. Aquele que está à mão. Aquele a quem sabemos poder pedir ajuda, seja na figura de um amigo ou de um terapeuta.
O simbolismo de estar de joelhos, pedir à divindade, pedir aos céus, é justamente o recolher-se e deixar fluir o que realmente desejamos/precisamos. Pedir e aceitar/ aceitar e pedir. Despojarmos de nós mesmos, de tudo o que nos enaltece, nos torna superficial, mas também do que nos critica, nos julga, nos diminui. Simplesmente estar ali, presente. Vergado, mas inteiro. Pronto para encarar-se no espelho… para depois levantar-se, emplumar-se e prosseguir…