O que caracteriza um trauma?

O que caracteriza o trauma?

Por Liú Campello

Olá!

Voltamos para falar sobre o que acontece no cérebro quando vivenciamos um “Trauma”.

No texto anterior, esclarecemos os conceitos de “traumas maiores e traumas menores”, descrevemos os sintomas semelhantes que ocorrem em ambos os casos, a dificuldade dos pacientes de identificarem a causa desses sintomas que acabavam por impedir a rotina normal de trabalho, convívio social e afetivo.

Neste texto, vamos entender de forma simples, quais são as regiões ativadas no cérebro quando um indivíduo é exposto a um evento traumático, narrando o caso de Ludmila, uma paciente de 25 anos que referia “pânico” a morcego.

Na primeira sessão, Ludmila conta:

“Não consigo mais sair de casa à noite desde que encontrei um morcego dentro do meu banheiro. Saio do carro esperando que um morcego venha pra cima de mim! Se eu percebo uma sombra ou algo se mexendo, começo a gritar e a correr, antes de me dar conta de que era só um passarinho, por exemplo. Já mandei cortar as palmeiras da minha casa porque os morcegos se escondiam ali.  O que me angustia é que eu não consigo entender o motivo do meu descontrole e encontrar uma maneira de me livrar disso. Não dá mais. Preciso de ajuda!”

Comecei explicando a Ludmila a sequência de eventos que acontece sempre que ela é exposta a um “disparador”.

– “Disparador”, falando de forma simples, é um evento que ativa as nossas emoções e sensações de maneira perturbadora.

As emoções reconhecidas como “básicas” são o medo, a tristeza, a alegria, a raiva e o nojo. Alguns autores incluem o susto também.

As sensações são percebidas no nosso corpo, como, por exemplo: dormência, taquicardia (batimentos cardíacos acelerados), taquipneia (frequência respiratória elevada), sudorese, dor na barriga.

A   exposição ao “disparador” (presença do morcego) faz com que você tenha as mesmas sensações que você teve quando foi exposta ao primeiro evento, o que resultou no que chamamos de “Trauma tipo I”, ou seja, o trauma produzido por um único evento traumático. Então, considero que o seu trauma pode ser classificado em “trauma menor do tipo I”.

– Mas o que acontece para que eu reaja como se fosse a primeira vez? Por que eu simplesmente não me esqueci disso, como já fiz com tantas outras coisas que me perturbaram?

– Porque, nesse caso, houve uma interrupção do processo adaptativo de informação desse evento (exposição ao morcego) que deveria ter ocorrido habitualmente no seu cérebro. Essa informação não processada foi mantida no seu cérebro nas redes de memória. Quando você é exposta ao “disparador morcego”, você acessa essa informação não processada armazenada na sua rede de memória e reproduz as mesmas sensações que você teve quando viu o morcego no seu banheiro.

– A falta de processamento desse evento eu entendi. Só não entendo o que acontece para que apareçam essas manifestações no meu corpo.

– Bem, então vamos falar da “circuitaria cerebral” que é ativada e as regiões do cérebro em que elas se encontram. Quando você vê ou pensa que vê um morcego, o seu sistema límbico é ativado. O sistema límbico se localiza no cérebro emocional ou reptiliano, que tem esse nome por ser uma das partes mais antigas e primitivas do nosso cérebro. As emoções intensas ativam o sistema límbico e a amígdala, que é uma estrutura que se encontra nesse sistema. A amígdala é a responsável pela detecção de situações de perigo e pela emoção do medo reagindo como um alarme! Essa ativação determina a produção de uma cascata de hormônios do estresse e de impulsos nervosos que aumentam a pressão sanguínea, as frequências cardíaca e respiratória preparando o corpo para lutar ou fugir.

– Já entendi como o meu corpo funciona quando eu me apavoro. E o que acontece que eu não consigo “explicar” para mim mesma que isso não é motivo para eu me descontrolar, da mesma maneira que não consigo ser convencida por ninguém de que isso não faz sentido?

– Isso acontece pelo fato de que quando você é exposta ao disparador morcego ou à lembrança dele, o cérebro direito é ativado, enquanto o esquerdo é desativado. É fato que os dois hemisférios atuam de maneira conjunta, porém, o hemisfério direito é emocional, intuitivo, visual, espacial e tátil. Já o hemisfério esquerdo, é literal e lógico e organiza as experiências e traduz em palavras nossos sentimentos e percepções. Essa desativação impossibilita que o evento seja explicado e compreendido de forma lógica e organizada.

– Então deve haver alguma outra maneira que não seja falar sobre isso que possa me ajudar a resolver esse problema…

– Claro que sim, mas vamos deixar para a nossa próxima sessão, pode ser?