O complexo de Jonas

Por Patrícia Cristina Borges Maciel

Complexo de Jonas é um mecanismo de defesa do ego que representa a recusa do indivíduo de realizar-se ou de alcançar suas plenas capacidades.

Partindo da premissa de que os personagens bíblicos são expressões de arquétipos do inconsciente coletivo e de que suas jornadas são um manancial de símbolos e metáforas organizadores da própria psique humana, é possível afirmar que a história do profeta Jonas, narrada na Bíblia, descreve a experiência do homem que nega sua dimensão espiritual e se rende a um medo arcaico: o medo de ser diferente e ser rejeitado, o medo de transcender e cair no ostracismo, o que pode significar para ele a própria morte.

Para descrever o que é o Complexo de Jonas, vou resumidamente contar a epopeia desse personagem, ao tempo em que vou correlacionar cada uma de suas passagens ao respectivo conteúdo psicológico subjacente.

Segundo a narrativa bíblica, Jonas foi um profeta que ouviu uma Voz (trata-se aqui de um acontecimento numinoso ou um chamado para ter contato com sua dimensão espiritual), ordenando que ele fosse a Nínive (uma terra distante para ele, de cultura diferente) para dizer ao seu povo que a cidade seria exterminada se não fossem cessadas as crueldades que lá se praticavam (isso seria uma missão que poderia trazer-lhe sucesso, reconhecimento, realização, já que ele era um profeta, mas Jonas teve medo da sua própria grandeza, do seu destino).

Jonas não obedeceu e fugiu de barco para outra cidade (tendo medo de ir em direção ao desconhecido, que eram os costumes do povo de Nínive, receando de ser diferente, ser julgado, ser banido, ser excluído e cair no ostracismo, Jonas fugiu da sua missão, ou, em outras palavras, da sua vocação, uma vez que ele era um profeta).

Durante a travessia, em alto mar, enquanto Jonas dormia (ele estava inconsciente da sua realidade, perdido), foi formada uma tempestade que ameaçava virar o barco (um episódio difícil, uma crise, como as que constantemente a vida nos impõe). O capitão do barco (a consciência maior, que nos avisa intuitivamente o que nos está acontecendo), após descobrir que a tempestade fora provocada pela desobediência de Jonas, tentou acordá-lo (uma tentativa de fazê-lo despertar, para que assumisse a responsabilidade por aquilo que era, por aquilo a que veio). Não conseguindo acordá-lo, lançou-o ao mar (o mar é a representação do inconsciente, enquanto a água é a representação do emocional). Jonas foi engolido por um grande peixe (sem opção, Jonas foi lançado ao encontro do desconhecido), dentro do qual passou três dias e três noites (a “noite sombria da alma”, a crise existencial, a sensação de não ter saída, o sofrimento).

Então, sofrendo e arrependido, ele faz uma oração (um estado alterado de consciência, que permite a conexão com seu Eu Superior, a partir do qual ele poderá enfrentar a sombra, o medo) e promete que vai cumprir a missão que lhe fora solicitada (tentativa de encontrar uma saída). Após isso, o peixe o vomita exatamente em uma praia de Nínive (a vida dá um jeito de nos colocar, repetidas vezes se for necessário, diante daquilo que precisamos fazer ou aprender).

Estando em Nínive, Jonas transmite aos seus habitantes a mensagem de Deus, pedindo-lhes que se arrependam de toda a iniquidade que estavam praticando (momento do enfrentamento, que não é confortável, mas faz parte do processo). Todos ouvem Jonas e se rendem. O rei fica feliz, e Nínive é salva.

Jonas, porém, não fica satisfeito (o ego quer estar no controle). Ele quer que o rei mande matar os que iniciaram aquela situação, ao que o rei não consente, alegando que esses também se arrependeram (o processo de transcendência do ego não é fácil, pois o ego não quer se desapegar, ele quer que as coisas sejam feitas do seu jeito).

Frustrado, Jonas vai para uma cabana no alto de um monte, a fim de se isolar. Um dia, pela manhã, nasce ao lado da cabana uma bela árvore, que oferece a Jonas uma generosa sombra. Este fica maravilhado e feliz (o ego é preso a imagens idealizadas, ilusórias). Mas, ao anoitecer, a árvore morre, deixando Jonas desolado. Então, a Voz vem falar a Jonas novamente: “Jonas, você está nesse estado somente porque uma árvore que nasceu pela manhã morreu ao fim da tarde. No entanto, você queria que mandassem matar todos os meus filhos, que os tenho desde o princípio da criação!” Jonas, então, entende que a sua grande missão era a de conseguir amar o inimigo.

Antes de amar ao inimigo, Jonas precisa aprender a amar a si mesmo, não somente a parte que tem sucesso, mas também a parte que fracassa. Por isso, em última instância, Jonas é o arquétipo do medo de amar.

Precisamos aprender a acolher todas as partes que nos compõem enquanto seres humanos ainda em processo de evolução no aqui e agora. Devemos aprender a aceitar a nossa imperfeição, porque assim vamos conseguir aceitar a imperfeição do outro e a da vida, encontrando o sentido de unidade que nos falta. O caminho para isso começa com o reconhecimento da negatividade que ainda nos constitui e também com o reconhecimento do ser espiritual perfeito e eterno que somos em essência.