Por Ana Lúcia Sampar
O conceito de vazio existencial, segundo a filosofia existencialista, está muito ligado à falta de sentido de vida, a um sentimento de incompletude, do nada e impotência do existir. Traz uma profunda relação entre a cultura do consumo, a religião e os valores que a nossa sociedade busca como propósito de sua existência.
Para o filósofo Soren Kierkegaard (2007), o vazio existencial é visto como uma profunda falta de fé em si mesmo, na vida e em algo maior. Caracteriza-se por um profundo tédio, desânimo, desesperança, e conflitos em sua dimensão espiritual. Esse estado pode conduzir o homem, em muitos casos, ao desespero. A pessoa, em muitos momentos, não se acha capaz de identificar as suas reais necessidades, integrar as suas feridas e lidar com o tédio. Assim, encontra dificuldades para dar sentido a sua existência como um todo e acaba caindo no vazio ou no desespero. Para Kierkegaard, o desespero faz o homem, sem querer, conectar-se com a sua alma.
Nossa sociedade hoje é composta por pessoas cada vez mais solitárias que, buscando socorro nas coisas exteriores, tudo faz para preencher o seu vazio, mas as suas buscas ora caem no tédio ora nos divertimentos dos jogos ou coisas de pouco sentido existencial. Para Kierkegaard, grande parte dos homens vive sem consciência do seu próprio eu emocional e afetivo. As emoções de medo, raiva, amor e tristeza, na sua maioria, são direcionadas intencionalmente para algum objeto, conseguimos senti-las em relação a alguma coisa, mas, no sentimento do vazio isso não ocorre, uma vez que não há um objeto definido. No vazio existencial, o indivíduo não sabe o que quer e também não sabe o que sente (KIERKEGAARD, 2007).
Para o filósofo Blaise Pascal (1988), o vazio vem da dificuldade do homem em lidar com as suas “misérias humanas” impregnadas pela impermanência da vida, pelos medos, angústias, ansiedades e morte. Afirma que as ocupações que o homem busca para livrar-se do tédio, do seu ser não são diversões isentas de paixões:
Não é o troféu, não é o dinheiro do jogo que o homem busca na verdade, pois se fosse oferecido a ele o troféu que poderia conquistar na competição, ou o prêmio que poderia ganhar jogando, isto o faria infeliz e não resolveria seu vazio, pois não são as coisas que o homem busca. Ele busca a própria busca. É na busca que o homem aviva suas paixões. Não buscamos nunca as coisas, mas a busca das coisas. (Pascal, 1988, fr. 135).
[…] o homem passa a vida sem tédio jogando todos os dias coisa de pouca monta. Dai-lhe todas as manhãs o dinheiro que ele pode ganhar a cada dia, sob a condição de ele não jogar, ireis torná-lo infeliz. Dir-se-á talvez que o que ele busca é a brincadeira do jogo e não o ganho. Fazei então com que não jogue a dinheiro: ele não se animará e se aborrecerá. Não é então só a diversão que ele busca. Uma diversão desanimada e sem paixão o entediará. Ele precisa se animar e criar um engodo para si mesmo imaginando que seria feliz ganhando aquilo que não quereria que lhe fosse dado sob a condição de não jogar, a fim de que forme para si um motivo de paixão e que excite com isso o seu desejo, a sua cólera, o temor por esse objeto que formou para si como as crianças se apavoram vendo a cara que lambuzaram de tinta […] (Pascal, 1988, fr. 139).
Na tentativa de resolver o problema do vazio, o homem encontra ilusoriamente o repouso nas diversões passageiras, mas, ao voltar para si, ele percebe o seu vazio, o nada. O homem procura o repouso sem poder gozá-lo, momento em que surge a angústia. Assim, aquilo que o homem julga ser seu prazer ou sua felicidade, momentos depois transforma-se em um martírio, que o faz lançar-se fora de si para não ver seu eu imperfeito. Muitas vezes, estar ocupado o tempo todo é o único modo que ele encontra para não pensar em si mesmo, para “livrar-se do sentimento de vazio e tédio” (PASCAL, 1988).
A sensação de incompletude leva o homem a trocar o ser pelo parecer, o eu verdadeiro pela imagem idealizada de si mesmo. Esta troca revela a fragilidade do seu ego e a constante insatisfação com a sua condição humana. Ele não consegue preencher o seu vazio mesmo quando mostra aos outros as suas conquistas, a sua fama, a sua beleza, o seu status, nem mesmo quando consegue estar na estima e admiração do outro. Esta incompletude é verificável na própria busca incessante do homem na atualidade, querer tudo possuir e tudo dominar para preencher o seu vazio, mas não ser possível encontrar a satisfação nas coisas materiais que busca, pois são passageiras. O conflito entre a sua miséria e sua grandeza revela que o seu eu lhe é insuportável. Ele não encontra nada em si mesmo que consiga superar a sua sensação de incompletude (PASCAL, 1988).
Para o psiquiatra e criador da logoterapia Victor Frankl (2004), o vazio existencial é visto como uma “síndrome de falta de sentido de vida”. Pode ser visto, como uma “neurose existencial”, um sentimento de tédio generalizado, alienação social, apatia, falta de sentido de vida, e uma profunda sensação de sofrimento, que pode levar a estados depressivos, ansiosos, sintomas agressivos e vícios. Ele entende que o homem precisa estar orientado para a busca do sentido de sua existência para não correr o risco de cair no vazio. Cada ser é único no seu modo de estar no mundo e propósito de vida, e assim, é preciso que cada um busque compreender a sua verdadeira natureza, vocação e essência. Defende que muitas das buscas materiais são necessárias para a existência humana, mas não podemos ficar presos a elas como fins existenciais maiores. O homem precisa ser guiado por valores supremos, como a busca pelo autoconhecimento, pela espiritualidade, pela sociabilidade, pela beleza, pelas artes, e pela vida intelectiva conscientizada. Não devemos resolver um problema da alma somente com valores materiais.
O filósofo existencialista Jean Paul Sartre (1987), defende que o vazio vem do sentimento do nada que experimentamos. Para ele, o nada é o não-ser, é o não se realizar, é a falta de sentido nas coisas, é o sentimento de cansaço e impotência do existir. O homem teme desaparecer e ser o nada. Na sua maioria, não tem uma experiência bem definida do que são as suas verdadeiras necessidades, não sabe o que sente de verdade ou o que verdadeiramente quer. Assim, a sua falta de sentido da vida vem da incapacidade de se autoconhecer e de agir como um ser pensante, consciente e independente. Como não costuma examinar e analisar a sua existência e o seu mundo interior, ele torna-se incapaz de dirigir a sua própria vida, vive sendo guiado pelos grupos em que vive. Passa a não ter mais a responsabilidade pelo que é, e teme empreender a jornada do seu verdadeiro ser. Está sempre com dificuldades de fazer alguma coisa por si mesmo e sentir-se bem com a vida. Todo esse processo o leva à incompletude, ao vazio interior e ao medo da finitude.
O homem traz uma natureza marcada pela insatisfação de suas conquistas, por mais que ele procure ocupar-se com as atividades, por mais que ele conquiste os sucessos almejados, ele sente muita dificuldade de conseguir preencher seu vazio existencial, uma vez que a sua construção é um processo constante que só se finda com a morte. Por meio de sua própria consciência, cria seus próprios valores e determina um sentido para sua vida. Em todas as suas atividades, o homem procura, de forma consciente ou inconsciente realizar-se, mas nenhuma busca vai realizá-lo em plenitude, devido ao seu processo constante de crescimento ser inconcluso e inacabado. Afirma que o homem, está largado e abandonado na existência, uma vez que para Sartre não há um Deus que o guie, como prega as religiões. Esse é um dos fatores que leva o homem à angústia e ao vazio. Ainda que o homem consiga empreender alguma conquista, ainda assim sentirá a sua incompletude (SARTRE, 1987).
Assim, para Sartre (1987), o homem encontra grandes obstáculos para adquirir a felicidade total e verdadeira pela sua própria condição humana. Por mais que o homem busque conhecer a realidade, ele jamais conseguirá apreendê-la e compreendê-la em sua totalidade. Todas as formas de saber concebidas pelo intelecto, por meio das ciências, das artes, da filosofia e da teologia, pela sua condição de finitude, são sempre mutáveis e passageiras. Logo, enquanto o homem existir, sempre haverá algo a buscar e a realizar. A sua existência precede a sua essência, e por isso sempre haverá uma angústia, um vazio existencial, um fundo sem fundo, haverá sempre a finitude e a dificuldade de lidar ela.
O homem é um ser que empreende grandes desafios e realiza grandes conquistas, mas que ainda sente muita dificuldade em lidar com o tédio, as perdas, as frustrações e o sofrimento, uma vez que se prende muito aos valores morais e religiosos. Numa busca desenfreada por um norte, acaba elegendo de forma automática o caos como inimigo, consegue momentaneamente se esquivar do vazio, mas logo cai nele novamente. Não consegue conscientizar-se que ao negar o lado “sombrio” da existência acaba por negligenciar o seu próprio eu, e distanciar-se de si mesmo. Nietzsche chama a atenção para o idealismo de mundo que o homem cria e busca seguir como seu propósito maior de vida, pautado em preceitos morais cristãos cujos valores não constituem propriamente a realidade da vida e do homem. Esse modo de estar no mundo traz a marca da inconsciência cultural e da negação da natureza humana e da própria vida como um todo (NIETZSCHE, 2008).
Esse tema nos faz refletir sobre:
- O que é o vazio para nós?
- Como o vazio acontece nas nossas vidas?
- Qual o verdadeiro sentido e propósito que damos para a nossa existência?
- Quais buscas empreendemos quando nos sentimos entediados?
- As nossas atuais buscas estão cumprindo as suas funções?
Bibliografia
PASCAL, B. Pensamentos. Săo Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os Pensadores).
FRANKL, V. E. (1991). Psicoterapia para todos (A. Allgayer, Trad.). Petrópolis: Vozes.
FRANKL, V. E. (2004). Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração (W. O. Schlupp; C. Aveline, Trad.). Petrópolis: Vozes.
KIERKEGAARD, S. (2007). O conceito de angústia (T. Guimarães, Trad.). São Paulo: Hemus.
NIETZSCHE, F. A vontade de poder. Trad. Marco Sinésio Pereira Fernandes, Ed. Contraponto, Rio de Janeiro: 2008.
SARTRE. J. P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997. 782 p.