Unidade e dualidade

Por Patrícia Cristina Borges Maciel

Mestres espirituais e filósofos em geral, bem como psicólogos transpessoais, comungam da opinião de que o ser humano, quando ignora que faz parte de um todo cósmico e se vê separado do mundo e das pessoas, sofre no próprio psiquismo o que se chama de crise de fragmentação, que muitas vezes resulta no seu adoecimento.

Um dos pontos centrais da teoria de Maslow é o que ele chamou de “experiências culminantes”, que “são momentos especialmente felizes e excitantes na vida de todo indivíduo” (FADIMAN, 1986, p. 266). Essas experiências, ditas raras, são descritas como um “auge”, que pode durar no máximo algumas horas. “Experiências culminantes são momentos transitórios de autoatualização. Durante momentos culminantes estamos mais inteiros, mais integrados e mais conscientes de nós mesmos e do mundo” (MASLOW apud FADIMAN, 1986, p. 265).

Diversas disciplinas do movimento transpessoal, com a premissa de que quando estamos mais inteiros, integrados, somos mais felizes e saudáveis, dedicaram-se ao estudo das experiências transpessoais, incluindo as culminantes e os estados ampliados de consciência. Jung postulou que a psique tem a tendência natural de se mover para a totalidade e o equilíbrio e que a verdadeira vida consiste de opostos que precisam ser unidos dentro da alma humana. Ele denominou esse processo de individuação, que significa tornar-se indivisível ou tornar-se um consigo mesmo (JUNG, 2002).

Vera Saldanha (2008) nos diz que há outros níveis de consciência, que poderiam ser agrupados sob o nome de “a caminho do transpessoal”. É uma situação similar ao estado de despertar, é a vivência de ver a luz e não a vivência última de ser a luz. Nesse caminho, parte-se de uma unidade inconsciente e indiferenciada, vive-se a dualidade, experimentam-se ocasionalmente alguns momentos de unidade plena, para finalmente integrar-se a síntese da inteireza. Não é negado, até pelo próprio Maslow, que nesse caminho as experiências culminantes são raras e que o estado de consciência cósmica é muitas vezes difícil de sustentar para o homem comum.

Todos os postulados teóricos descritos acima certamente trazem grandes contribuições para que o homem se sinta mais pleno e realizado.  A práxis das abordagens transpessoais também nos indica técnicas para obter estados ampliados de consciência e uma conexão com o todo.

No entanto, após tentativas frustradas de atingir a meta da transcendência, muitos ainda continuam a se perguntar: como posso ir de onde estou para onde quero ir? No intuito de encontrar uma resposta a essa questão, lançamos outra pergunta, para fins de reflexão: a caminho do transpessoal, será que não precisamos aprender mais sobre nós mesmos?

A popular frase de Tolstoi “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” ou o aforismo grego “Conhece-te a ti mesmo” são um convite para nos abrirmos a um estado mais elevado de consciência por meio do autoconhecimento.

A partir dessa perspectiva do autoconhecimento, vamos explorar agora o conceito de Unidade segundo o Pathwork — ou Trabalho do Caminho.

E o que é o Pathwork?

É um conjunto de ensinamentos contidos em 258 palestras, canalizados por Eva Pierrakos entre os anos de 1957 e 1979, que abarcam temas universais e atemporais relacionados a autoconhecimento e transformação pessoal, como resposta ao anseio humano de viver um estado de consciência mais plenificador e criativo (PIERRAKOS, 2015).

Como disciplina psicoespiritual — e por que não dizer também transpessoal —, o Pathwork oferece um caminho sistemático para a Unidade. Esse caminho é vasto e atravessa amorosamente a nossa própria escuridão antes que possa alcançar a luz. Para o Pathwork, “A experiência iluminadora maior é ser capaz de relacionar os acontecimentos da própria vida, tanto os positivos como os negativos, com as forças interiores que os criaram. Ela nos conduz para casa, para o cerne unitivo em nós mesmos, para a nossa identidade criadora verdadeira” (PIERRAKOS, 1993, p. 17).

Podemos lembrar que existem duas possibilidades fundamentais para a consciência humana: viver no plano dualista ou viver no plano unificado. No estágio evolutivo em que nos encontramos, vivemos predominantemente no plano dualista, no qual experimentamos todas as coisas em opostos: bem ou mal, certo ou errado, bom ou mau, vida ou morte. No plano unificado, no entanto, não há opostos, há apenas o bem, o certo, bom e a vida, mas de forma diferente de como eles se apresentam num dos opostos do plano dualista. Em outras palavras, neste caso o bem, o certo, o bom e a vida combinam ambos os polos dualistas, gerando um conceito transcendente, no qual não existe conflito.

Vivemos num plano de dualidade. Todas as nossas experiências são filtradas por uma consciência dualista. O estado de dualidade é angustiante porque oscilamos entre alternativas opostas; percebemos a vida como uma série de acontecimentos que classificamos como bons ou maus. A dualidade mais assustadora é a que separa a vida e a morte. Sabemos, no entanto, que existe uma consciência superior num plano unificado e que a felicidade maior consiste em estar em contato com essa consciência” (PIERRAKOS, 1993, p. 71).

Apesar de não termos total consciência de que vivemos essa dualidade entre aparentes opostos ou de acharmos, numa melhor situação, que esses opostos são irreconciliáveis, existe um estado unificado no verdadeiro Eu, e é essa condição que gera em nós o anseio, vago ou urgente, pela felicidade, pela paz e pela realização plenas. O verdadeiro Eu, aqui considerado, é o princípio divino em nós, a partir do qual nos igualamos aos outros. No plano dualista, ao contrário, o que existe é o eu versus o outro, já que para o ego a unificação representa o aniquilamento da nossa individualidade, e isso é temido e rejeitado.

Como já dito anteriormente, para a vivência da Unidade, devemos resgatar a percepção de que somos parte do todo e de que simultaneamente o todo está em nós, ou ainda, de que o todo contém as partes e as partes contêm o todo. O Pathwork corrobora essa premissa, diz que a união deve começar dentro de nós mesmos e que um importante trabalho pessoal é o de transformar os aspectos em nós mesmos que impedem a unificação. E que aspectos são esses? Será que podemos chegar a essa unificação renegando partes de nosso ser atual? O nosso ser atual, embora carregue a perfeição na essência, ainda não é eivado de imperfeições? Como fazer a transição do erro dualista para a verdade unificada? Pierrakos cita ainda que “Necessitamos de algo que nos leve a nos aceitarmos totalmente como somos agora e que nos oriente a trabalhar com o que bloqueia nossa evolução pessoal e espiritual. Precisamos de mapas da psique que não idealizem nem dourem nossas deficiências humanas” (PIERRAKOS, 1993, p.14).

Quando nos empenhamos em aceitar apenas o lado positivo da vida humana e negamos ou evitamos a outra parte, ou quando achamos que se nos concentrarmos na divindade automaticamente o lado escuro da nossa natureza humana vai se diluir, perpetuamos a não consciência e vivemos na ilusão, o que faz com que nosso crescimento espiritual continue incompleto. Como a nossa mente vê a vida em dualidades, nós sentimos o desejo de crescimento pessoal e espiritual e temos vontade de intensificar a experiência positiva e eliminar a negativa. Queremos ter alegria, saúde, felicidade, prazer e, por outro lado, queremos excluir toda a dor, a doença, a tristeza e a infelicidade. Não está errado, em absoluto, querer as coisas positivas que a vida tem a oferecer; aliás, isso é da consciência humana. O problema é quando queremos “reprimir o que é negativo e vulnerável em nós, negá-lo ou viver ‘acima’ da mortalidade, da falibilidade, do negativismo ou da dor” (THESENGA, 1997).

O Pathwork, enquanto caminho de autoconhecimento e de transformação, inclui uma compreensão profunda da negatividade pessoal, das suas origens e das suas consequências, para que possamos reconhecer as frustrações e as limitações que nos impedem a nossa autorrealização e o encontro com a Unidade — dentro de nós mesmos, em primeiro lugar, e, depois, na relação com o outro, com a natureza e o cosmos. Thesenga complementa: “Só podemos chegar a essa unidade mais profunda quando aprendemos a aceitar o que rejeitamos em nós mesmos, a ir ao encontro do que vínhamos tentando evitar. Chegamos à Unidade pela aceitação das nossas dualidades” (THESENGA, 1997).

Assim sendo, segundo o Pathwork, “Unidade é a reunificação de todos os pedaços e fragmentos da consciência que se desprenderam da união original com Deus” (THESENGA, 1997). Quando nossas degenerações e negatividades ficam reprimidas no inconsciente, isso gera uma identidade fragmentada. Então, para o Pathwork, um caminho espiritual ou psicológico não visa apenas as experiências de união, mas também o reconhecimento de todos os fragmentos do Eu que se desprenderam da consciência unitiva, para que, com esse reconhecimento e com todo o trabalho adjacente, possamos novamente integrá-los.

O Trabalho do Caminho reúne uma organizada e eficiente metodologia para nos ajudar a encontrar o nosso núcleo divino, que nos levará a viver a Unidade. No entanto, não é objetivo deste artigo discorrer a respeito das práticas do Pathwork, mas apenas apresentar o conceito de Unidade sob esse enfoque, que, como se pôde verificar, trava um diálogo estreito com a Psicologia Transpessoal e com muitas filosofias espiritualistas mais conhecidas.

 

REFERÊNCIAS

THESENGA, Susan. O eu sem defesas: o método pathwork para viver uma espiritualidade integral. Tradução de Carmen Youssef. 1. ed. 9a reimpressão. São Paulo: Cutrix, 1997. 257 p.

JUNG, Carl Gustav. Adaptação, individuação e coletividade. Obras Completas, Vol. 18/2. Petrópolis: Vozes, 2002.

______. O eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1979.

PIERRAKOS, Eva. O caminho da autotransformação. Compilado e organizado por Judith Saly. Tradução de Euclides L. Calloni e Cleusa M. Wosgrau. 1. ed. 17a reimpressão. São Paulo: Cultrix, 1993. 256 p.