Reações ao uso de psicofármacos

Quais os efeitos colaterais dos psicofármacos?

Por Flávio Vervloet

Quais são os tipos mais comuns de reações que podem ocorrer com o uso de psicofármacos?

Uma das fases que mais suscitam receio e dúvidas no tratamento medicamentoso é o início do uso de um novo psicofármaco. Por serem de base química, como outras áreas da medicina, os medicamentos atuam em receptores existentes nos tecidos e nas células. Entretanto, não é uma especificidade absoluta ou localizada em um só tecido orgânico. A maioria dos medicamentos, incluindo os psicofármacos, pode ativar ou inibir funções em outros tecidos e sistemas no corpo humano, apesar de serem em geral pouco relevantes.

Essas reações, muitas delas de fácil manejo, podem levar o paciente a suspender a medicação indevidamente, sem consultar o psiquiatra, ou mesmo interromper o tratamento.

Essa atitude pode complicar o tratamento, levar ao agravamento ou cronificação do transtorno tratado e, por fim, a não adesão ao tratamento, trazendo consequências tais como prejuízo profissional, interpessoal, familiar, dentre outros possíveis.

  1. Adaptação inicial ao uso do psicofármaco

A reação adaptativa é uma tentativa do organismo de se ajustar ao novo estímulo ou substância e pode gerar alguns incômodos iniciais até que o ajuste aconteça.

A adaptação inicial ao uso dos psicofármacos é comum e normalmente é de curta duração – geralmente entre uma e duas semanas – variando de acordo com o nível de sensibilidade da pessoa à introdução de um novo psicofármaco.

Nesse caso, o organismo tende a se adaptar e, após esse período, os benefícios surgirem.

Um dos medicamentos que apresenta reação inicial com mais frequência são os chamados antidepressivos, especialmente os inibidores seletivos de receptação de serotonina, um extenso grupo de psicofármacos direcionados para tratamento de diversos transtornos psiquiátricos: transtorno depressivo, ansioso, pânico, obsessivo-compulsivo, de estresse pós-traumático, dentre outros. Esses psicofármacos tendem, no início, a aumentar os sintomas relacionados à ansiedade, o que pode tornar seu uso desagradável nas primeiras semanas.

Forma de atenuação e manejoUma forma de atenuar as reações orgânicas é titular o uso do medicamento na primeira semana. Titulação significa iniciar o tratamento com dose reduzida para, em seguida, adequá-la gradualmente para um nível terapêutico. Normalmente, esse procedimento alivia significativamente tais sintomas.

  1. Hipersensibilidade individual

É bastante comum em pessoas que estão com a prescrição correta de um medicamento que é considerado de fácil adaptação, mas que apresentam reações medicamentosas inesperadas.

Algumas pessoas são consideradas hipersensíveis ao uso de medicamentos psicotrópicos. Essa circunstância dificulta consideravelmente o tratamento, além de gerar desgaste e frustrações, tanto para o paciente quanto para o profissional, quando não conseguem lidar com tais eventos.

Apesar de não estar totalmente claro, percebe-se, a partir das práticas clínicas em psiquiatria, que algumas pessoas com essas características apresentam alto grau de ansiedade, como manifestação de um transtorno ansioso, tornando-os mais impressionáveis e mais atentos ao seu corpo e a todas as alterações que ocorrem nele. Percebe-se também que em um outro grupo de pessoas pode estar relacionado a características de sua personalidade ou uma sensibilidade individual.

Porém, independente do motivo dessa hipersensibilidade, comumente ela não coloca em risco a saúde do indivíduo (possuem um caráter benigno). Trata-se de uma reação inicial e específica que pode ser bem suportada quando manejada adequadamente.

Forma de atenuação e manejo:  Se você se percebe hipersensível a medicamentos por experiências prévias, comunique a seu médico. Em alguns casos, é necessário o uso concomitante de ansiolíticos no início do tratamento. A titulação é recomendada e colabora bastante para manejar a hipersensibilidade. Em certos casos torna-se necessário fazer um acompanhamento psicoterápico para viabilizar o tratamento psicofarmacológico.

  1. Estado de ansiedade em relação a doenças e medicamentos

Existe um tipo específico de transtorno ansioso relacionado ao medo de doenças (transtorno hipocondríaco). O tema principal das preocupações está relacionado a ser acometido por doenças, principalmente as mais graves. E um outro bem conhecido, o transtorno do pânico, em que o tema principal é o receio de perder o controle e ter algum mal súbito que o coloca em estado de alerta. Nesses estados, pode haver bastante desconforto ao se usar medicamentos desconhecidos (não usados anteriormente).

Forma de atenuação e manejo: Em alguns casos é necessário o uso concomitante de ansiolíticos no início do tratamento. A titulação do uso do medicamento e psicoterapia concomitante é recomendada e colabora bastante para manejar esse receio excessivo.

  1. Erros de atribuição aos novos sintomas

O erro de atribuição está relacionado a sintomas que surgem durante o tratamento e que são provenientes de outras causas.

É possível que essas sensações provenham de efeitos adversos de outros medicamentos utilizados pelo indivíduo para doenças em outros sistemas e órgãos e que, porventura, foram incluídos durante o tratamento. Pode ser, até mesmo, que os novos sintomas sejam decorrentes dessas alterações orgânicas.

Além disso, essas sensações ou sintomas talvez sejam provenientes de estresse excessivo por motivos psicossociais durante o período em que se iniciou o uso do psicofármaco.

Podem ser também devido a indisposições passageiras, consequência do consumo de alimentos deteriorados ou indigestos, alterações de temperatura do ambiente, falta de ingesta de água ou de sono, exercício ou esforço excessivo etc.

Forma de atenuação e manejo: antes de atribuir os novos sintomas ao medicamento que está usando, procure outras circunstâncias e fatores que estão presentes nesse momento que podem ser responsáveis pelo desconforto recente.

  1. Particularidades relacionadas ao metabolismo e a genética individual

 A variação genética pode causar uma resposta anormal a determinado medicamento e pode alterar a concentração de vários medicamentos no sangue. Esses fatores podem criar uma variabilidade na resposta medicamentosa.

Algumas dessas alterações estão relacionadas com a forma com que o organismo individualmente metaboliza determinadas substâncias. Pode-se separar essa forma de metabolizar em grupos: os metabolizadores normais, os metabolizadores lentos e os ultrarrápidos.  Algumas são variações específicas no DNA, principalmente os genes que codificam enzimas responsáveis pela farmacocinética (absorção, distribuição, metabolismo e excreção) e pela farmacodinâmica (interação com os receptores celulares) dos medicamentos.

Outros fatores que podem estar relacionados com uma resposta individualizada são características biológicas como idade, gênero, gravidez, etnia, massa corpórea, funcionamento renal, gastrointestinal e hepático, doenças em outros sistemas, bem como fatores ambientais, tais como clima, alimentação, tabaco, álcool e drogas.

Forma de atenuação e manejo: É necessário que o médico leve em consideração esses múltiplos fatores ao fazer a prescrição e definir a dose do tratamento. Para isso, é necessária uma boa história clínica, que vai depender das informações disponibilizadas pelo paciente e seus familiares. Principalmente a história de como respondeu ao uso anterior de outros psicofármacos (medicamentos psiquiátricos). Às vezes será necessário que o médico peça para fazer um teste farmacogenético para averiguar possíveis variações genéticas.

  1. Efeitos colaterais ou adversos aos psicofármacos

Apesar do efeito regulatório nas funções orgânicas, os medicamentos podem, dependendo da sensibilidade orgânica ou características da substância, estimular ou inibir funções de tecidos que não são o foco do tratamento.

Os efeitos colaterais podem ter intensidade variável, como sintomas brandos e pouco evidentes até manifestações incômodas e persistentes.

Nesse sentido, considera-se que um medicamento possui boa adaptação quando apresenta bons resultados com o mínimo possível de efeitos adversos.

Forma de atenuação e gerenciamento: Se você perceber uma reação mais intensa e prolongada comunique a seu médico. Muitas vezes, é possível atenuá-los por meio do uso concomitante de outro medicamento, que torna o medicamento principal mais tolerado e pouco relevante em termos de efeitos. Entretanto, em alguns casos, é preciso reduzir a dose, suspender ou até interromper o uso do medicamento.

  1. Efeitos oriundos de interações medicamentosas

As interações medicamentosas refletem uma mudança na atividade ou no efeito de um medicamento no corpo como resultado da presença ou atividade química de outra substância. Pode ser uma interação entre mais de um medicamento psiquiátrico ou mesmo com medicamentos para outros sistemas, como alguns antibióticos, anti-inflamatórios, diuréticos etc.

Forma de atenuação e gerenciamento: É necessário fazer uma lista de todos os medicamentos, inclusive fitoterápicos, em uso no momento para tratamento de qualquer doença ou sintomas presentes. Só assim o médico terá noção das possíveis interações medicamentosas que podem ocorrer com a inclusão do novo medicamento.